O Palmeiras pode assumir a liderança do Brasileirão nesta quarta-feira se superar o Flamengo no Rio. O assunto movimenta a paixão do torcedor alviverde. É o bote que o time espera dar nessa reta final da competição. Mas há um outro assunto na mesa da presidente Leila Pereira até mais importante do que o bicampeonato nacional (o Palmeiras ganhou a edição de 2022): a renovação de contrato de Abel Ferreira. Todos estão satisfeitos com o treinador português no comando do time após três anos. Nesse período, Abel não foi questionado pelos palmeirenses em nenhum momento a ponto de ter seu cargo colocado em xeque e o posto ameaçado. É muito raro ver isso no futebol brasileiro.
Mas ele está no seu limite físico e mental. Abel pediu socorro. Sua frase precisa ser entendida de forma mais ampla. “Muitos cabelos brancos, exames feitos… Tive períodos difíceis, de saúde mesmo. Física e mental. Falei nisso no último jogo, e as pessoas não querem saber disso. Resta a mim pensar muito bem o que eu quero, porque aqui o futebol não dá saúde a ninguém. Se vocês têm dúvidas, olhem para mim agora e há três anos. Alguma coisa vai ter que mudar”.
Abel ligou o sinal de alerta. O Palmeiras tem intenção de manter o treinador por mais temporadas. Ele tem contrato até dezembro do ano que vem, portanto, vai ter mais uma rodada com todas as competições que o Palmeiras tem no calendário: Paulistão, Copa do Brasil, Libertadores e Brasileirão. Nesta temporada, Abel ganhou o Paulistão, ficou pelo caminho na Copa do Brasil e Libertadores e tem chances de festejar o Brasileirão. Mas está esgotado.
Ela já se disse feliz no clube. Disse também que vai honrar seu compromisso até o fim do acordo, quando acaba o mandato de Leila Pereira. Ela vai concorrer por mais três anos nas próximas eleições e promete se esforçar para manter Abel. Daria para afirmar que não há ninguém no Palmeiras contra o treinador. Diretoria, conselheiros, associados, colaboradores, jogadores e torcida estão de mãos dadas com o português. Vejo que ainda há problemas em certas declarações dele, no seu jeito, por vezes, arrogante e intolerante e de um cidadão dono da verdade, além de suas bravatas acima da média com os árbitros, como se tudo dele fosse correto e dos outros errados. Há caminhos para melhorar. Todos temos de melhorar.
Mas escolher um treinador tem sido o maior problema para os gestores de clubes do futebol brasileiro. Muitas equipes de bons elencos têm sofrido na temporada pela troca constante de comandante. O Botafogo, líder do Brasileirão, é uma delas. O Flamengo também. É até um exemplo melhor. Todos os técnicos escolhidos pela gestão de Rodolfo Landim e Marcos Braz chegam com pompa à Gávea e depois perdem prestígio e apoio. E olha que nem todos eram ruins. Isso aconteceu com Rogério Ceni, Dorival e Sampaoli, para citar alguns.
No caso do Palmeiras, essa comunhão com Abel é forte. Leila pode oferecer mais dinheiro para o treinador e sua comissão técnica. Isso já se pressupõe em qualquer renovação. Mas não é isso que vai segurá-lo. Abel precisa ter desafios. Ele já disse que gosta do Palmeiras e de estar em um lugar onde é respeitado e tem condições de trabalhar. Esse ponto a presidente pode melhorar. Como? Com a chegada de novos jogadores. Mais material humano. Abel precisa de um craque para comandar ou de dois, três a mais, desses de arrastar torcedores e estourar de vender camisas. Ele precisa de mais jogadores e de atletas de melhor nível.
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Leila pensa nisso, tem dinheiro para isso, mas não encontrou nada no mercado. Isso não tem nada a ver com o elenco atual, que é competitivo e tem excelentes atletas. Isso tem a ver com fortalecer o grupo e deixar o trabalho de Abel ‘mais fácil’. Há ainda a preocupação com o fim do ciclo de alguns jogadores. Abel sabe disso e gostaria de ver o caldo mais grosso.
Nesta temporada, o Palmeiras sofreu mais. E ganhou menos. Abel se desgastou mais em suas próprias cobranças. Por vezes, não viu saída.
Há ainda a Europa, de onde Abel saiu desconhecido e para onde deve voltar com currículo recheado. Nesta semana, seu nome foi incluído em uma lista dos 50 melhores treinadores do mundo feita por uma revista inglesa. Imaginando que cada liga europeia tem 20 clubes, ele até está bem posicionado. Abel não é mais invisível na Europa. Isso é bom e ruim para o Palmeiras. É bom porque leva o nome do time para outra parte do mundo (Abel de que time? Palmeiras) e também é ruim porque já há olho gordo para cima do treinador português.
Em uma de suas entrevistas recentes, ele citou o poeta inglês William Ernest Henley e deixou todo mundo no clube com a pulga atrás da orelha: “Tem uma frase que não é minha, mas que gosto muito: “ser capitão da minha alma e dono do meu destino”. Ela foi dita no filme Invictus, sobre a história de Nelson Mandela após o fim do apartheid na África do Sul e com o Mundial de Rúgbi no país.
Abel quer ficar. Pede socorro e é preciso levar isso em consideração. Há dinheiro para sua renovação. Leila tem de oferecer mais material humano para ele trabalhar. É preciso encontrar brechas no calendário desumano do futebol brasileiro. Ele necessita de novos desafios. Tem a Europa de olho em seu trabalho.
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