Se você está lendo este texto no final de 2023, é bem possível que passe dos 80 anos. E, é bastante provável, inclusive, que chegue aos 90 e até aos 100. Isso porque a medicina foi milagrosa em aumentar o tempo de vida no mundo todo. O que médicos e pesquisadores vêm estudando, no entanto, é como viveremos essas próximas décadas. Conseguiremos fazer trilhas com amigos? Carregar nossos bisnetos no colo ou uma sacola de compras por uma ladeira ou escada? Seremos capazes de morar e viajar sozinhos? Vamos sair para dançar? Em resumo, teremos uma vida autônoma e em comunidade?
O que está em evidência agora não é a extensão cronológica das nossas vidas, mas sim qual é a qualidade do tempo que ganhamos. “Longevidade é sobre viver mais e melhor, e não sobre rejuvenescer. É sobre estender o relógio com saúde e autonomia, e não tentar voltar o tempo”, diz o doutor Wilson Jacob Filho, diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. A endocrinologista e nutróloga Vânia Assaly, diretora científica da Latin American Lifestyle Medicine Association e do Instituto Assaly Medicina Personalizada, complementa: “Viver mais sem saúde não é um objetivo, pois não traz benefício para a pessoa, para a sociedade, nem para a economia de um país. A busca deve ser por longevidade com qualidade de vida”.
Com essa questão em mente, o médico canadense Peter Attia escreveu o best-seller Outlive: A Arte e a Ciência de Viver Mais e Melhor (Ed. Intrínseca), obra que, desde o lançamento, encontra-se na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos e agora no Brasil. A premissa do oncologista é que a medicina precisa trabalhar com muito mais afinco para evitar o surgimento das doenças do envelhecimento e as principais causas de morte no Ocidente: os males cardíacos e neurodegenerativos, a diabetes tipo 2 e os cânceres. “No começo do século 20, a expectativa de vida girava em torno dos 50 anos e as pessoas morriam de causas rápidas (infecções, acidentes e ferimentos). Desde então, a morte lenta suplantou a rápida”, escreve o médico. Peter defende que médicos e pacientes se engajem nesse objetivo de maneira que as doenças passem a ser tratadas não depois que já se instauraram, mas antes dos primeiros sinais. “Não se trata de uma medicina preventiva, mas sim proativa. Essa mudança só ocorrerá quando pacientes e médicos exigirem”, completa. Peter Attia chama isso de Medicina 3.0. Já a doutora Vânia Assaly fala em Medicina P5: preventiva, preditiva, proativa, personalizada e participativa.
Medicina P5: preventiva, preditiva, proativa, personalizada e participativa
O primeiro passo nessa jornada é o monitoramento de indicadores de saúde desde a juventude. Isso se dá por acompanhamento médico especializado, que exige exames rotineiros de sangue e imagem, além de uso de medicação quando necessário. Segundo Attia, cabe monitorar precocemente os índices de colesterol, entre outros, como a apolipoproteína B (que participa do transporte do colesterol LDL para os tecidos, seus níveis elevados estão associados a aumento do risco cardiovascular), o acompanhamento de calcificação das artérias, dos níveis de glicose e insulina, por exemplo. Estes, Attia sugere que sejam monitorados constantemente por meio de aparelhos especializados. Além de evitar picos glicêmicos que levam, ao longo do tempo, a uma resistência à insulina, as informações em tempo real ajudam as pessoas a entender quais alimentos geram essa elevação e quais não, levando-as a autorregular a própria dieta. No Brasil, esses aparelhos são vendidos comumente para diabéticos. “O envelhecimento é otimizado quando eu reconheço quais são os órgãos, aparelhos e sistemas do meu organismo que precisam ser fortalecidos, ou poupados, para que eu chegue lá na frente bem e em condições de continuar a fazer aquilo que me dá prazer”, diz o doutor Wilson.
Se esse tipo de monitoramento pode ser considerado excessivo por parte da comunidade médica, outras medidas para a longevidade saudável são consenso. A principal delas é a prática de exercícios físicos. O que gera debate, no entanto, é o tipo e a frequência com que devem ser feitos. A Organização Mundial de Saúde, por exemplo, sugere a prática moderada de 150 a 300 minutos semanais. Para Attia, é uma recomendação vaga. Ele propõe 180 minutos de treinos semanais de resistência (entre 70% e 85% da frequência cardíaca máxima), treinos de VO2, em que a frequência alta é mantida por quatro minutos seguidos de quatro minutos mais leves (quatro a seis repetições, uma vez por semana), treinos de força e estabilidade. A estabilidade (obtida muitas vezes em práticas com os pés descalços, por exemplo) é fundamental para que não nos machuquemos e evitemos quedas por falta de equilíbrio. O treino de força é importante para manutenção da massa muscular, para saúde dos ossos e tendões. Fator igualmente relevante nessa fórmula é o balanço nutricional individualizado. O consumo de proteínas para construção de massa, por exemplo, é um consenso. Já a restrição de macronutrientes como carboidratos pode ter eficácia individualizada. O que se sabe, no entanto, é que o estrago feito pelos picos glicêmicos são cumulativos e, a longo prazo, podem levar ao surgimento de diabetes tipo 2 e de doenças degenerativas.
Outro (novo) consenso científico é a importância do sono. É durante o estágio de sono profundo que o cérebro faz um “faxina” autolimpante. Uma noite bem dormida garante também regulação hormonal: “Durante o sono profundo, o organismo restaura os erros das células que podem se transformar em tumores”, explica Vânia. “Além de reconstruir e reparar o sistema de estresse cerebral, guardando os arquivos da memória nas gavetas corretas e limpando o cérebro.” A médica indica a eliminação de qualquer fonte de luz do ambiente e diz que vale experimentar aplicativos que ajudem a levar a estados de relaxamento e indução do sono por meio de sons. Mas reforça: só valem se não precisarem funcionar com a emissão de luz. Aparelhos como o AppleWatch ajudam a monitorar o ciclo e indicam como é sua estrutura do sono. Foi por meio dele, por exemplo, que notei que a luz azul do meu despertador me impedia de me manter em estágios profundos do sono.
Por fim, as pesquisas mostram que o propósito e a vida em comunidade são fundamentais para uma velhice saudável. Estar perto de outras pessoas é fundamental para a saúde do cérebro. Quando interagimos, o sangue circula por diferentes partes do órgão para nos ajudar a ouvir e formular respostas. Usar constantemente o cérebro dessa forma aumenta as conexões feitas entre as células cerebrais e os circuitos neurais usados, o que dificulta o estabelecimento de doenças neurodegenerativas. Em Zonas Azuis: A Solução para Comer e Viver Como os Povos Mais Saudáveis do Planeta, do escritor estadunidense Dan Buettner, que virou documentário hit na Netflix, a importância dos laços comunitários e familiares fica evidente. “Esse sentimento de pertencimento e conectividade é fundamental para manter a mente ativa. A convivência com pessoas queridas permite a interação entre diferentes idades, o que estimula o cérebro a estar sempre aprendendo, a ter desafios (inclusive físicos, como brincadeiras com os netos) e resgata o propósito da vida”, explica a doutora Vânia. Vive mais e melhor quem ama e é amado pelos seus.